terça-feira, 23 de novembro de 2010

Onde Foi Parar o Brasil Sem Homofobia?

Onde Foi Parar O Brasil Sem Homofobia?

Publicado em 16/11/2010  Por Marcelo Gerald

Chegamos ao dia da proclamação da República cheio de fatos tristes para a comunidade LGBT, no decorrer do mês de novembro foram vários golpes à comunidade LGBT, intensificados nesta última semana.

Homofobia na Universidade: O primeiro ataque veio do chanceler da Universidade Mackenzie, ao atacar o PLC122 no site oficial da instituição, no último dia 11, defendeu o direito de ser contra a homossexualidade e de discriminar, a carta mostrou total ignorância sobre os direitos civis LGBTs, pois dizia que homossexuais já contam com o reconhecimento da união estável e da adoção, entre outros absurdos, nós poderíamos ignorar as palavras do chanceler se não fosse a dura realidade dos fatos que seguiram ao longo da semana:

Pedofilia e histeria: Neste mesmo dia um garoto de 18 anos foi preso em um shopping de São Paulo por estar beijando um garoto de 13 anos, parte da imprensa mais que depressa tratou o rapaz como pedófilo estuprador, ele foi indiciado por este crime, que pode lhe render de 8 a 15 anos de prisão.

O que chama atenção neste caso é a histeria contra a pedofilia que vem tomando conta do Brasil. Partes da mídia e de membros das redes sociais queriam condenar o garoto e usar este caso como exemplo. Ele foi tratado como um criminoso perigoso em igualdade com donos de redes de pedofilia, mas ao ver fotos e vídeos do rapaz eu me perguntei como sabiam que ele era maior? Eu olho pras fotos e vejo alguém que poderia ter 16 anos.

A questão que este caso levanta é e se fosse casal hetero, será que a polícia seria chamada? Será que a mesma atenção seria dada ao caso? Segundo o entendimento de vários juristas, qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos seria considerado estupro presumido, mas acontece que ato libidinoso é qualquer ato com a intenção de satisfazer o apetite sexual e um beijo não pode ser enquadrado com tal, mas sim como contravenção penal.  E foi exatamente este o entendimento da justiça que finalmente concedeu a liberdade provisória ao rapaz.

Este caso foi um duro golpe a comunidade LGBT que é injustamente relacionada a casos de pedofilia, sendo que os verdadeiros pedófilos são em sua maioria heterossexuais. Ao acompanhar este caso, notam-se várias evidências de homofobia, tanto de quem denunciou quanto de quem indiciou.

Agressão: "Suas bichas, vocês são namorados. Vocês estão juntos" estas foram as palavras pronunciadas por um dos agressores que atacaram cinco jovens na Avenida Paulista neste domingo, primeiro o grupo atacou dois amigos na altura da Brigadeiro, uma das vítimas conseguiu fugir e outra desmaiou ao ser agredida, ontem este garoto ainda permanecia internado.

Em seguida este mesmo grupo escolheu mais três vítimas que foram agredidas com muitos socos e lâmpadas fluorescentes pra cortar o rosto de um dos rapazes.

Os cinco agressores foram detidos em flagrante, quatro deles são menores. A mãe de um deles classificou o ato apenas como "infantil", já o advogado de um dos agressores numa clara tentativa de inverter os papéis diz que o seu cliente apenas se defendeu, se defendeu de quê? Da homossexualidade?!?!

Jonathan Lauton Domingues, o agressor de 19 anos deverá responder processo por lesão corporal gravíssima, roubo e formação de quadrilha, os agressores, inclusive o próprio, já estão todos soltos!

Baleado pelo próprio Estado: "Eu odeio essa raça" "Sua mãe sabe que você é assim?" "O militar perguntou se meu pai sabia o que eu estava fazendo. Eu respondi que sim. Ele disse que eu era uma desgraça para a humanidade, me empurrou no chão, sacou a arma e atirou. O outro gargalhava. Depois de atirar, ele me deu um chute e disse para eu vazar".

Segundo testemunhas e o jovem agredido, foram estas as palavras pronunciadas por um soldado do exército antes de balear um jovem de 19 anos após a parada gay do Rio.

O comando Militar do Leste divulgou nota afirmando que nenhum soldado teria atirado contra o estudante, mas o correto não seria a abertura de uma investigação do próprio comando a fim de descobrir o agressor? (nota emitida hoje informa que o exército abriu sindicância após receber pressão)

Soldados que deveriam proteger a população e nos dar segurança agrediram, ameaçaram e quase matam um jovem por motivação puramente homofóbica.

Segundo o jovem baleado havia um policial por perto, que nada fez e ao pedir socorro ligou diversas vezes ao SAMU e teve o pedido de socorro negado, porque o atendente alegava ser trote.

Mortes: Foram várias ao longo do ano, e os números finais prometem ser próximos aos de 2009. No ano passado o Brasil liderou mais uma vez o ranking dos países mais homofóbicos do ocidente, com 198 mortes, número cinco vezes maior que do México e quase oito vezes maior que os Estados Unidos.

Na próxima semana fará cinco meses que a vida de Alexandre Ivo foi tirada por motivação homofóbica. Alexandre foi espancado, torturado e estrangulado. ele faria 15 anos no próximo dia 30. Os acusados do assassinato estão soltos.

Sua mãe Angélica Ivo e seu primo Prof. Marco José Duarte (UERJ) lutam por justiça, segundo Marco José informou na comunidade Homofobia Já Era haverá ato público no dia 07 de dezembro a partir das 15h00 horas em frente o fórum novo de São Gonçalo no Rio.

Papa pede a bispos brasileiros que defendam a União heterossexual:

O papa pediu aos bispos que defendam o casamento entre homem e mulher, o direito dos pais educarem seus filhos e a liberdade religiosa. Será que as falácias contra o PLC122 já chegaram ao Vaticano? A liberdade religiosa já é uma garantia constitucional e é defendida também por lei, ninguém pode proibir ou ir contra esta liberdade, mas não há que confundi-la com a liberdade de negar direitos civis e humanos a cidadãos. Se o papa quer defender o casamento hétero, deveria criticar o divórcio e não gays, afinal estes não estão envolvidos neste tipo de casamento.

Imprensa: Grande parte da imprensa tratou de condenar logo o rapaz preso pelo beijo no shopping. Sua foto estava estampada em diversos portais como um possível criminoso perigoso, parte da imprensa dá destaque à orientação sexual em todas chamadas quando o acusado é um LGBT, mas esta mesma imprensa que julgou e condenou um jovem de 18 anos protege outro de 19 anos que está entre os envolvidos nas agressões desta manhã de domingo na paulista e o seu rosto e nome estão protegidos. Por que esta diferença de tratamento? Enquanto alguns veículos de comunicação, como a Record e a FOLHA, que noticiaram os fatos ocorridos no Rio e São Paulo como consequência da homofobia, vários outros canais e jornais amenizaram os fatos e a violência.

"Que País é Este?" Outro dia um amigo militante me disse que se o PLC122 falhar e a militância não puderem fazer mais nada contra os crimes por motivação homofóbica deveríamos fundar uma religião. A ideia parece absurda, mas se religiões podem se pautar em livros antigos que pregam xenofobia, homofobia, racismo, machismo e desrespeito a Direitos Humanos e estas ideias devem ser respeitadas a todo custo, então em nome da liberdade e dos direitos civis talvez a única saída seja fundar uma religião pra sermos respeitados.

Religiões que deveriam pregar a tolerância, o amor ao próximo e o respeito a direitos humanos estão fazendo exatamente o contrário, então talvez expor o Brasil ao ridículo de sua própria ignorância e insanidade talvez seja o único caminho pra acabar com a discriminação.

O beijo é um ato de amor, expressão de afetos e desejo, e assim deveria ser visto. Nesta semana um jovem foi preso por um simples beijo, outro jovem foi baleado, vários foram agredidos quando seus atacantes perceberam sua orientação sexual, e seus agressores foram soltos rapidamente.

O que esperar de um país que equipara o beijo ao estupro? Aceita e justifica agressões, de maneira inacreditável várias pessoas justificaram no twitter que os soldados que balearam o estudante devem ter feito porque este devia estar exagerado nas carícias em público, o mesmo argumento foi usado contra o estudante preso por dar um selinho no cinema do shopping foi preso porque mereceu teve seu rosto exposto na mídia como um pedófilo perigoso. E agora, como fica a volta ao cursinho e o convívio com amigos e parentes?

No início do mês o Senador Álvaro Dias (PSDB) disse em seu site que votará contra o PLC122, porque segundo ele o grupo que o projeto pretende defender já se encontra suficiente amparo pela legislação em vigor.

O combate à homofobia no Brasil é uma questão que envolve toda a sociedade precisa urgente de amparo legal, como acontece com o racismo somente depois de implementada a lei que manifestações públicas de ódio foram reduzidas é também uma questão que envolve educação, somente através dela podemos conscientizar as pessoas a respeitar a diversidade, de saúde pública e de inclusão social, pois é comprovado que pessoas excluídas tendem á baixo autoestima, o que aumenta a tendência a suicídio abusos de drogas e riscos a DSTs é também uma questão de segurança pública séria estamos em primeiro lugar do mundo ocidental em mortes por motivação homofóbica e os números podem ser muito maiores, pois várias famílias negam a sexualidade de seus filhos, estes números não motivos de orgulho a ninguém.

O Chanceler da Mackenzie, Dr. Augustos Nicodemos pleiteia no site oficial da Universidade o direito de ser homofóbico e para tanto usa o peso desta instituição de ensino, tanto ele quanto o Senador Alvaro Dias dizem que LGBTs encontram devidamente amparados legalmente. Eu gostaria de perguntar aos ilustres senhores como conseguem ficar em paz com suas consciências sabendo que o sangue de vários jovens está sendo derramado.

Perseguir e negar direitos a LGBTs é a palavra de ordem, os religiosos querem que direitos civis sejam negados, políticos se omitem em fazer sua parte, pessoas que deveriam proteger a população agridem e atiram, jovens promovem espancamentos nas ruas, dentro de escolas e até mesmo em universidades, como aconteceu recentemente na USP e no alojamento da UFRRJ.

Quando LGBTs lutam por direitos são acusados de querer demais, de pleitearem proteção excessiva, quantos ainda precisam ser agredidos ou morrer para que façam algo?  Eu gostaria de dizer que estes fatos são atos isolados, mas não são, para todos citados existem vários outros que exemplos que ocorreram de forma parecida ou até pior, como o ataque por militares a LGBTs em paradas do orgulho gay na Bahia.

O brasileiro se acha no geral tolerante, mas tem se confirmado como um dos povos mais conservadores do ocidente, ideias fascistas, racistas, xenófobas e homofóbicas vem ganhando força nos últimos anos. A realidade brasileira é triste o adolescente que foi flagrado beijando num shopping ainda corre risco de ser processado e condenado a 15 anos de prisão, enquanto os jovens que agrediram os estudantes na Paulista poderão se ver livres de qualquer acusação por homofobia, o pai de um deles ainda cogita processar um dos gays agredidos por aliciamento de menores, ou seja, no Brasil quem expressa homofobia segue impune, já quem demonstra homoafetividade deve ser preso.

O governo criou o dia de combate à homofobia, mas o que tem feito de fato pra que casos como os citados não ocorram mais? Enquanto isto todos pleiteiam o direito de discriminar, religiosos, políticos, educadores, o papa, evangélicos , setores conservadores da política, soldados do exército, jovens e parte da imprensa e é justamente este "direito" que derrama o sangue de vários LGBTs Brasil afora.

A relatora do PLC 122 a Senadora Fátima Cleide divulgou parecer favorável ao projeto e destacou que em consonância com a Constituição Federal o projeto busca defendera vida não somente em sentido biológico, mas nas relações indispensáveis ao seu desenvolvimento. O parecer da relatora tem até o dia 22 de dezembro pra ser votado caso contrário será arquivado. Poderá ser desarquivado e caso a situação no TSE não seja favorável a reeleição de Fátima Cleide, no processo da Ficha Limpa contra Cassol, um novo relator deverá ser nomeado.

Uma coisa é certa: não podemos falar em cidadania plena se tivermos medo de sair nas ruas, de ir às paradas, frequentar escolas e Universidades. Não se vive plenamente com medo.

Vivo, Renato Russo possivelmente cantaria: "que o Brasil vai ficar rico…quando vendermos todas as almas dos  nossos gays em um leilão".

A homofobia atinge a TODOS, você não precisa ser homossexual, basta "ACHAREM" QUE VOCÊ É.

: "Os brasileiros têm pouca tolerância ao diferente" - " ... a maior visibilidade dos indivíduos gays, que ajuda a provocar reações"










Com fogo nas ventas
Que pacíficos que nada. "Os brasileiros têm pouca tolerância ao diferente", diz pesquisador gaúcho
20 de novembro de 2010 | 14h 41

Um militar está detido por ter baleado um rapaz no Arpoador depois da Parada no Rio. O motivo suposto? O fato de esse rapaz ser homossexual. Cinco jovens de classe média agrediram três jovens na Avenida Paulista com socos, pontapés e lâmpadas fluorescentes. O motivo alegado? As vítimas os teriam paquerado. Ainda que, por enquanto, imagens não comprovem de vez coisa ou outra, o clima de suspeição levou a uma grita contra e a favor da discriminação sexual que envolveu manifestos, disparos no Twitter de lado a lado e discussão sobre o projeto de lei que propõe a criminalização da homofobia.

Estudioso das masculinidades, o professor Fernando Seffner entende que a discussão é seminal por levar à reflexão sobre violências e intolerâncias, sejam elas em espaços restritos como baladas universitárias, sejam elas em cenários públicos, como a avenida mais agregadora de uma metrópole. Repete que as diferenças continuam coibidas, e isso se estende até a contornos mais adiposos. "Como se diz nos Estados Unidos, os gordos são os novos negros." Nesta entrevista, com ele sediado na capital gaúcha, Seffner discorre sobre reações descabidas, experimentações da juventude e paradas gays. Tudo sob uma máxima de Foucault: "A verdade de cada um está muito ligada à verdade do sexo".

Aumentou a violência contra os gays? Ou temos dado mais destaque a isso nos últimos tempos?

Acho que temos uma mistura de fatores que promovem, sim, um aumento dessa violência. Um deles é a maior visibilidade dos indivíduos gays, que ajuda a provocar reações. Aqueles que ficam escondidos, que nunca dizem de si, são mais difíceis de ser interpelados. Claro que, se está todo mundo na Parada do Rio, dificilmente há reações contrárias. Estamos nos referindo a uma visibilidade de grupos menores ou de indivíduos, que ficam mais vulneráveis à agressão. Em segundo lugar, a nossa democracia tem permitido mais voz a quem tinha pouca. O melhor exemplo é o da violência contra a mulher. Temos tido uma explosão de denúncias. Existe a consciência de que o que antes não era denominado violência agora pode vir a ser.

Mas por que reagir com agressão física diante de um incômodo?

Como diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares, temos a tradição no País de resolver as coisas na base da violência. Especialmente na questão das masculinidades, e não só no Brasil, seguimos com modos muito violentos de criação de garotos. Para virar homem no colégio, no jogo de futebol, na roda de amigos, o menino passa por uma socialização que envolve agressão simbólica, agressão física, brigas... Portanto, não me parece difícil entender que, na hora do aperto, o recurso seja esse.

Ser assediado por outro homem pode ser considerado um "aperto"?

Na hora em que um homem olha para outro homem com interesse erótico, não é só uma questão de dizer "Tudo bem" e ir embora. Infelizmente, esse olhar de interesse traz para alguns homens héteros, ainda mais na idade de que estamos tratando, a suspeição sobre a própria sexualidade. Não sou da linha de dizer que todo homem que bate em gay é uma bicha enrustida. Conheço sujeitos violentos e homofóbicos que, na verdade, tinham caso com outros homens, mas não é regra geral. O fato é que, se na saída da boate houvesse cinco mulheres, mesmo que mulheres grandes diante de guris magricelas, isso não seria considerado problema porque é reforçador da heterossexualidade. Das muitas reações que um homem pode ter, se ele é heterossexual e percebe que outro homem o olha com interesse, ir lá e socá-lo é o que não deve acontecer.

A agressão aos rapazes ocorreu na Avenida Paulista, cartão-postal que aglutina pessoas de todos os cantos da cidade e ponto de encontro de manifestações democráticas. A intolerância naquele espaço não lhe soa estranha?

Sim. Concordo contigo. Seria como comparar modestamente em Porto Alegre com a Esquina Democrática, na Borges de Medeiros com a Rua dos Andradas. Há alguns anos ocorreu uma agressão violenta ali, que foi muito comentada porque é um local com história de luta pela democracia. Mas temos no Brasil uma tradição de pouca tolerância no espaço público. As diferenças continuam coibidas. Primeiro porque vivemos numa das sociedades mais desproporcionais do mundo. Pouco se enfatiza o fato de nosso país estar entre os cinco mais desiguais. Isso provoca uma tensão na sociedade muito grande. Mas, ora, se não gosto de homossexuais, não preciso chamá-los para o jantar. Se não gosto de gordos - os gordos são os novos negros, como se diz nos Estados Unidos, em matéria de abjeção social -, então faço uma festa e não convido ninguém acima do peso. Mas o espaço público é o espaço da diferença. A gente precisa se entender.

A repercussão desse caso teria sido diferente se os agressores não fossem de classe média alta?

Acho que existem aí algumas armadilhas. Fica menos atraente para a imprensa e mais fácil de classificar quando é pobre agredindo rico e negro roubando de branco porque cai numa chave de compreensão do fenômeno à qual estamos acostumados. Mas o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e a Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) têm uma pesquisa, que coincide com outra feita pela Fundação Perseu Abramo, afirmando o seguinte: a homofobia diminui pouco com a escolaridade. Os indivíduos mais escolarizados têm tendência a responder às perguntas sobre aceitação da diferença sexual de forma politicamente mais correta, e só. Isso significa que para muita coisa a escola e a universidade fazem diferença, mas para essa questão, não. Muito provavelmente esses rapazes passaram por famílias, colégios, clubes, cursos de inglês e grupos de amigos onde o tema do respeito à diferença nunca foi claramente adotado.

Existe um outro levantamento, feito pela ONG carioca Conexão G, que mostra que diariamente pelo menos um homossexual é vítima de agressão nas comunidades carentes da cidade. Gays, lésbicas e travestis são espancados, ameaçados de estupro e até expulsos das favelas onde moram.

Vou dar um exemplo da cidade onde vivo. Os travestis, que em geral moram em lugares muito pobres de Porto Alegre, têm uma aceitação ali maior do que se imagina. Não são vistos como tão exóticos assim. Mas isso alimenta a ideia de que os pobres são mais solidários entre si, com o que não concordo. Acho que cada classe processa seu incômodo com essas diferenças. Nesse ponto sou bastante foucaultiano: a verdade de cada um está muito ligada à verdade do sexo. Posso saber tudo sobre fulano, e até estou pensando em votar nele para Presidente da República, mas, se revelarem que é gay, metade dos votos vai embora. Recuperando uma pesquisa da demógrafa Elza Berquó, o que efetivamente produz uma modificação no modo como as pessoas olham para os gays é alguém da família ou do círculo próximo de relações se assumir como tal. Ao fazê-lo, a pessoa obriga os outros a repensar seus valores. Não adianta olhar para a mãe de um menino, que está incomodada porque o guri é um pouco afeminado, e dizer: "Olha, o Rick Martin também é gay e se deu bem na vida". Rick Martin pertence ao Monte Olimpo. Agora, se o filho da dona de casa e do pedreiro, que moram vizinhos dela, se mostra bem com sua homossexualidade, a coisa muda de figura. Os pais conseguem perceber que existe um projeto viável de ser feliz sendo gay.

A Parada Gay ajuda nessa aceitação? Ou está mais para o espetáculo?

A Parada hoje é um evento entre o festivo e a visibilidade a qualquer preço. Ela tem um retorno econômico muito grande, um efeito cultural, mas é um pouco fogo de artifício. Basta ver o que aconteceu no Rio. A Parada terminou, e uns jovens ficaram se beijando no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador. Já eram 23h e a polícia foi lá e deu uns tiros. O que é mais ou menos o recado da sociedade: "Olha, gente, acabou a Parada. A hora de se beijar, de andar de biquíni era aquela, agora não dá mais. Voltou a vida como ela é. Aqui não pode". Depois da Parada, o mundo volta a ser como é todos os dias: homofóbico. A Parada teria o efeito de amplificar, mas não que a luta se restrinja àquele dia. Para a minha linha de pesquisa, ela é interessante porque vejo ali, por exemplo, muita gente jovem assumindo a sua homossexualidade. O menino de 13 anos, a menina de 14 com a sua namorada. Essa é uma coisa que tento entender.

Esses garotos que estão se assumindo têm estrutura para isso? O projeto americano It Gets Better é uma reposta ao alto índice de adolescentes gays que tentam o suicídio.

O que noto é que hoje em dia você não entra em uma escola pública aqui do Rio Grande do Sul sem que veja ao menos um menino mais afeminado ou uma menina com uma feminilidade diferente. Podem ser gays ou não, não vou lá perguntar, mas acho que esse fenômeno é muito intenso numericamente. Existe uma faixa de adolescentes que se propõe a fazer algumas experimentações com a sexualidade, essa coisa que muito genericamente tem se chamado de "experiência queer". Alguns usam o termo bissexual para escapar dos rótulos. Mas nem sempre esses jovens têm estrutura para levar adiante a sua proposta. Para ilustrar, vi dia desses um guri magrinho que nem um dedo mindinho, ao lado do namorado dele, idem magrinho, falando sobre como é a situação familiar. Supercombativo, disse ter comunicado a mãe e o pai que ia namorar em casa porque a irmã fazia o mesmo com o namorado. Aí a mãe reagiu: "Mas tu não vê que seu pai fica incomodado e vai embora?" E o guri: "Não interessa. O meu pai que se ajeite porque eu vou namorar na sala". A minha vontade de homem de 54 anos é dizer: "Filhinho, não dá para ir um pouco mais devagar? Nem conheço o teu pai, mas chego a ficar com pena dele". Será que tem que ser assim?

A lei da criminalização da homofobia pode ajudar a diminuir o preconceito? Ou tende a acirrar a intolerância?

As leis têm uma consequência simbólica muito importante, e a que criminaliza o racismo é um bom exemplo. Sabemos que o número de pessoas processadas por racismo é pequeníssimo, mas essa lei fez com que as pessoas percebam que isso é crime. Uma lei semelhante, que é a que o movimento gay apoia, quer dizer o seguinte: constitui crime usar contra mim a minha preferência sexual, como constitui crime jogar na minha cara a minha cor de pele para me diminuir. Algumas igrejas querem fazer a opinião pública acreditar que não será mais possível criticar os gays. Na verdade, as pessoas poderão, em outros recintos, continuar não admitindo os homossexuais. Não tem nenhum problema. Isso é a sociedade civil. A legislação nunca considerou a homossexualidade crime nem doença. Não há motivo para retirar um homossexual do convívio social ou dizer que a pessoa não pode viver dessa maneira.

Fernando Seffner / PROFESSOR DE EDUCAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL




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