“Uma sub-raça inteira nasceu, diferente – apesar de certos laços de parentesco – das libertinagens do passado. Do início do século XVIII até o nosso, eles circulam entre os poros da sociedade; eles sempre foram perseguidos, mas nem sempre por leis; foram sempre trancados, mas nem sempre em prisões eram doentes talvez, mas escandalosos, vítimas perigosas, presas de um estranho mal que também carrega o nome de vício e às vezes crime. Eles eram crianças sábias para sua idade, precoces menininhas, ambíguos meninos de escola , serventes e educadores ambíguos, cruéis ou maridos maníacos, coletores solitários, vagabundos com impulsos bizarros; eles assombravam as casa de correção, as colônias penais, os tribunais e os manicômios; eles carregavam sua infâmia aos doutores e sua doença aos juízes. Essa era a família inumerável de pervertidos que estabeleciam amigáveis termos com delinquentes e se aparentavam com loucos”(Michel Foucault).
Rubin trabalha na perspectiva que a instituição família é considerada a âncora da sociedade, pois tem a responsabilidade de representar a naturalidade da heterossexualidade. Considera o sistema de parentescos um jeito de garantir a interdependência dos grupos e assim colocando-os na obrigatoriedade de reproduzir para dar continuidade a novas famílias.
Esta concepção de parentesco segundo Lévi-Strauss, gera a dicotomia, as diferenças biológicas entre os sexos, justificando assim a importância da reprodução, do casamento, regulando a sociedade de uma única forma: Só é normal quem tem um casamento heterossexual!
Fazendo coro com Foucault, a moralidade Vitoriana, amordaçou bocas, aprisionou corpos, mentes, corações, constituindo um modelo de “retidão sexual”, que explicitou o sentido político do sexo. Considerar vícios pecaminosos a homossexualidade, a masturbação, encorajar a castidade, criminalizar a prostituição, arrancar o prazer das mulheres – cortando seu clitóris – foram sem dúvida legados criminosos que até hoje carregamos.
A tentativa de dominação dos corpos na minha avaliação é sem dúvida uma das forma de fazer política mais desumana que existe.
Como consequencia desta política foram criados os guetos: lugar de veado, bar de sapatão, rua das bixas e das machorras. Uma forma inteligente de excluir.
... “Vocês até podem estar em lugares públicos, desde que não se misturem com os normais”...
A quem serve a instituição família nos moldes da moralidade vitoriana?
A quem serve aprisionar os corpos, criminalizar o aborto e tudo que saia da “norma” da “retidão sexual”?
A quem serve a valorização dos guetos?
A maior parte da tradição cristã considera o sexo como perigoso, negativo, destrutivo, e que o homem e a mulher foram feitos para casar e procriar, que sexo sem procriação é nefasto, que usar camisinha é pecado,e que a vagina e o pênis são partes do corpo de categoria inferior, ou seja, órgãos de “quinta” que podem produzir perigo, pecado, destruição...
Segundo Susan Sontag, o cristianismo propaga que é no comportamento sexual que está a raiz da virtude.
É maravilhoso ser desvirtuada! Há, há!
Ter outro modelo de organização familiar, ficar, trepar por prazer, ter várias namoradas, não ter namoradas, ficar sem ninguém, abortar, ter filhas(os), adotar, não ter filhas(as)...
Ser “fitinha”(lá no Nordeste, fitinha é a lésbica que tem jeito de menina), ser sapatão, ser sapa lady, ser caminhoneira, ser mulher/macho, tem um significado imenso na sociedade.
A demanda social versa na possibilidade: “ Já que não tem jeito né, tu gosta de mulher, mas pelo menos se pareça com mulher, tenha uma parceira fixa, seja fiel, seja comportada, não seja escandalosa, seja discreta, não afronte a sociedade.
Quando quiser sair para dançar, vá no bar de sapatão, nunca beije na boca em público, caminhem na rua como amigas, ninguém precisa saber o que vocês são...
Sejam “normais”.