quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Juizes optam por aborto diante de gravidez indesejada, aponta estudo






De 207 entrevistados que tiveram parceiras que engravidaram "sem
querer", 79,2% abortaram

Pesquisa da Unicamp junto com a AMB é a primeira a retratar a opinião
pessoal dos que operam a lei brasileira

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Ao se confrontar com uma gravidez indesejada, a maioria dos juízes
opta pelo aborto, revela uma pesquisa da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas) em parceria com a AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros).
As informações constam de um levantamento maior, que investigou o que
pensam os magistrados e promotores sobre a legislação brasileira e as
circunstâncias em que o aborto provocado deveria ser permitido no
país.
Entre os 1.148 juízes que responderam a questionários enviados pelos
Correios, 207 (19,8%) relataram que já tiveram parceiras que
engravidaram "sem querer". Nessa situação, 79,2% abortaram.
Das 345 juízas que participaram do estudo, 15% disseram que já tiveram
gravidezes indesejadas. Dessas, 74% optaram pelo aborto.
Apesar de não representar a opinião da maioria dos magistrados (só 14%
deles participaram da pesquisa), o trabalho é o primeiro a retratar a
opinião pessoal daqueles que operam as leis sobre o aborto, tema que
ganhou força no debate eleitoral.
Os números refletem o que outras pesquisas populacionais já
constataram: diante de uma experiência pessoal com a gravidez
indesejada, grande parte das pessoas, mesmo as que seguem alguma
religião, entende que a situação justifica o aborto.

MORAL
Na avaliação da antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade
de Brasília, o dado revela uma questão básica sobre temas moralmente
sensíveis: uma coisa é como as pessoas agem e conduzem suas vidas, a
outra é o que elas consideram moralmente correto responder sobre o
tema.
"Aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez aborto no Brasil. Se
perguntássemos a essas mesmas mulheres se elas são favoráveis ao
aborto, a resposta seria incrivelmente diferente e contrária ao
aborto", afirma Diniz, também pesquisadora da Anis (Instituto de
Bioética Direitos Humanos e Gênero).
Incoerência? Para a antropóloga, não. Ela explica que temas com forte
regulação moral, em particular pelas religiões, geram uma expectativa
nas pessoas de haver respostas "corretas", que indicariam que elas são
"pessoas boas".
"Cria-se uma falsa expectativa de julgamento moral do indivíduo. Por
isso, um plebiscito sobre aborto é algo desastroso. As mulheres
abortam, seus companheiros as ajudam e as apoiam, mas ambos serão
contrários à legalização do aborto."
Hipocrisia? Na opinião do juiz João Ricardo dos Santos Costa,
vice-presidente de direitos humanos da AMB, sim. "A sociedade é
hipócrita e individualista. Não conseguimos nos colocar na condição do
outro."
Ele provoca. "Até padres quando se veem em uma situação em que suas
parceiras engravidam optam pelo aborto para manter a sua integridade
religiosa [permanecer na igreja]. Os juízes são como todas as pessoas.
Têm suas vivências e cargas de preconceitos", diz ele.
A pesquisa com os magistrados e promotores, publicada na "Revista de
Saúde Pública", se baseou em questionários enviados a 11.286 juízes e
13.592 promotores, por meio das associações que representam as
categorias. A taxa de resposta entre os juízes foi de 14%, e entre os
promotores, de 20%.

MÉDICOS
Seis anos atrás, o médico Anibal Faúndes, professor aposentado da
Unicamp e coordenador do estudo com os magistrados e promotores,
coordenou uma outra pesquisa com seus colegas de profissão, os
ginecologistas e obstetras. Um total de 4.261 profissionais
responderam a questionários enviados pela federação que representa a
categoria (Febrasgo).
Um quarto das médicas e um terço dos médicos relataram já ter
enfrentado uma gravidez indesejada.
A maioria (80%) optou pelo aborto. Mesmo entre os profissionais para
os quais a religião era muito importante, 70% escolheram interromper a
gravidez.
Quando a questão era a gestação indesejada de uma paciente, 40% dos
médicos disseram já terem ajudado a mulher (indicando profissionais
que faziam o aborto). A taxa subiu para 48% quando se tratava de um
familiar e de quase 80% quando se tratava da sua parceira.
"As mais profundas convicções se rendem frente a circunstâncias
absolutamente excepcionais. Todos somos contra o aborto, mas há
situações em que ele é um mal menor", diz Faúndes.

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