quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ABORTO E OPORTUNISMO ELEITORAL












ABORTO E OPORTUNISMO ELEITORAL


Maria José Rosado, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, está chocada com o tratamento eleitoral dado ao tema aborto. "É abominável. Nossos corpos, nossas vidas, não podem ser objeto de barganha." Segundo ela, o assunto não pode ser submetido a princípios religiosos. "É uma questão de saúde pública."
CartaCapital: Como a senhora enxerga a discussão eleitoral sobre o aborto?
Maria José Rosado:  É claro que o aborto é um tema que interessa à sociedade. Grande parte da população brasileira é formada por mulheres em idade reprodutiva. E o aborto ilegal é a quarta causa de mortalidade de mulheres. Agora, não faz sentido tratar do assunto a partir de interesses meramente eleitorais. É algo abominável. Nossos corpos, nossas vidas, não podem ser objeto de troca, de barganha eleitoral. Considero, isso sim, um desrespeito à vida.
CC: O tema acaba tratado mais da perspectiva moral e religiosa do que de saúde pública.
MJR:  A discussão está malposta, quando o que interessa é saber se alguém é contra ou a favor do aborto. A opinião pessoal dos candidatos e os valores pelos quais pautam suas decisões individuais só dizem respeito a eles.
CC: E o que interessa?
MJR:  O que importa para nós, cidadãs e cidadãos, eleitores, é conhecer os projetos de governo que serão depois implementados por quem pretende governar o País. O aborto é uma questão de saúde pública e é esse o âmbito em que deve ser discutido. A realidade atual é a que mulheres ricas conseguem ser atendidas em clínicas particulares. As mulheres pobres, negras em sua maioria, ficam expostas a morrer nas clínicas clandestinas. Diante da morte de milhares de mulheres, a maioria
delas mães de família, qual vai ser a política de governo proposta? Muitas mulheres que optam pelo aborto têm outros filhos. Valorizam o fator de ser mães. Muitas não desejam ter outros filhos ou filhas exatamente porque valorizam a vida daqueles que já têm e sua condição de pobreza não permite criar com saúde, dar uma boa educação.
CC: Por isso a necessidade de um debate focado no sentido correto, não?
MJR:  A realização desse dom, dessa capacidade das mulheres de gerarem um ser humano, tem de ser livre, fruto de decisão e desejo. Os governos devem valorizar tanto a maternidade, enquanto realização dessa capacidade extraordinária que nós, mulheres, temos de fazer outros seres humanos, quanto garantir que esse dom se realize de forma digna. Por isso, também o direito de recorrer a um aborto sem colocar a própria vida em risco deve ser respeitado e possibilitado.
CC: Até onde o ponto de vista religioso deve ser considerado?
MJR:  Esse não é um tema que possa ser submetido a princípios religiosos. As religiões podem propor determinado comportamento aos seus fiéis. Podem também propor à sociedade a discussão de suas ideias morais. Porém, em um Estado que não é teocrático, jamais esses princípios e valores podem ser impostos a toda a sociedade. O Estado não poderia, sob pena de violar a Constituição, submeter-se às religiões. Isso é a negação da democracia, das liberdades civis. Seria uma ameaça ao princípio de separação entre o Estado e a Igreja. Quanto à Igreja Católica, o que posso dizer é que não existe, ao longo de sua história multissecular, uma posição única sobre o aborto. Há, inclusive, posições teológicas favoráveis à decisão de uma mulher pela interrupção de uma gestação. No caso do Brasil, como de muitos outros países de maioria católica, as pesquisas demonstram que grande parte das mulheres que optam pelo aborto professa a fé católica. Outras religiões também não têm posições unânimes a respeito. Há discussões internas e divergências de interpretação dos códigos religiosos. Os credos não podem regular aquilo que é próprio do Estado: estabelecer políticas públicas que atendam aos interesses e às necessidades do conjunto da população. Pautar-se por princípios religiosos é infringir  a Constituição. Isso não é ser contra a religião. Ao contrário. O Estado laico é que garante a liberdade religiosa, pois garante a todos o direito de professar a sua fé e, inclusive, o de não professar nenhuma.
Maria José Rosado, Coordenadora Geral de Católicas pelo Direito de Decidir, deu entrevista para Sergio Lirio da Revista Carta Capital de 13.10.2010 - Ano XVI - nº 617





quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CARTA DA LBL SOBRE ELEIÇÕES 2010



CARTA ABERTA À POPULAÇÃO BRASILEIRA

 

Estamos em período eleitoral. Daqui a 15 dias, será eleita(o) a(o) Presidenta(e) que administrará o Brasil nos próximos 04 anos. Em momentos como esse, o que se espera é que o debate de idéias e propostas realmente relevantes permeiem o processo eleitoral.

Para nós mulheres, lésbicas e bissexuais é relevante discutir temas como a violência que ceifa milhares de vidas todos os anos; a falta de moradia, que atormenta milhões de famílias brasileiras; discutir também mecanismos para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios da universalidade, integralidade e equidade, e de uma educação pública, gratuita e de qualidade. Enfim, discutir temas que contribuam para a melhoria de vida da população brasileira e que também fortaleçam a democracia em nosso País.

Porém, para surpresa e desapontamento nosso, assistimos a uma sucessão de fatos que promovem a desqualificação do feminino e estimula a produção e a reprodução da violência contra as mulheres. Desde o início do processo eleitoral, uma das candidatas a Presidenta foi alvo dos mais sórdidos ataques reveladores do sexismo, do machismo e da misoginia que constituem a nossa sociedade. Primeiro, orquestrou-se a tentativa de descredenciar essa candidata através do discurso falacioso que ela era um fantoche na mão do Presidente da República, revelando assim a dificuldade dos setores mais conservadores e machistas em aceitar a capacidade e competência das mulheres para a gestão pública. Depois, se descambou para o "debate" enviesado de temas ligados aos nossos direitos sexuais e direitos reprodutivos com o intuito de alimentar o ódio, a intolerância e o desrespeito a grupos historicamente excluídos e socialmente inferiorizados, em especial as mulheres e as pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diferentes das tradicionalmente aceitas (LGBTTI).

Para nós, ressaltamos, o mais importante não é a posição pessoal da(o) pretendente a ocupar a Presidência da República sobre determinados temas, mas é relevante, sim, ver a sinalização de compromissos com:

Ø  ações que contribuam para o enfrentamento da discriminação e de todas as formas de violência contra mulheres, LGBTTIs, negras(os), pessoas com deficiência, idosas(os) e todos os demais outros grupos socialmente inferiorizados;

Ø  a construção de uma educação libertadora, que promova a descolonização do pensamento e garanta o pluralismo, a autonomia, a autodeterminação e a liberdade de todas as pessoas em situação de vulnerabilidade;

Ø  a defesa do Estado Laico; democrático e solidário, capaz de promover a vida e os Direitos de toda a população, e que para além das aparências, reconheça que todos(as)  têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação de  raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação que fere os direitos de todos seus cidadãos, rumo a uma sociedade que respeite a diversidade e promova a paz., reconhecendo que nenhuma pessoa ou instituição está acima da Constituição e dos direitos individuais e coletivos.

Outubro de 2010

Liga Brasileira de Lésbicas

 

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Lei Maria da Penha não depende de queixa formal, diz STJ (Terra)

14/10/2010 - Lei Maria da Penha não depende de queixa formal, diz STJ (Terra)

Sex, 15 de Outubro de 2010 12:56
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(Portal Terra) O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a mulher que sofre violência doméstica não precisa apresentar representação formal para abertura de processo com base na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).

Ao julgar um recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a 5ª Turma do STJ entendeu que, se a mulher comparece à delegacia para denunciar o agressor, já está manifestado o desejo de que ele seja punido.

Em fevereiro deste ano, a 3ª Seção do STJ, que reúne os membros da 5ª e da 6ª Turmas, havia decidido que a representação da vítima é condição indispensável para a instauração da ação penal. A decisão de agora é a primeira, desde então, que estabelece que essa representação dispensa formalidades, uma vez que está clara a vontade da vítima em relação à apuração do crime e à punição do agressor.

"Ainda que se considere necessária a representação, entendo que esta prescinde de maiores formalidades, bastando que a ofendida demonstre o interesse na apuração do fato delituoso", declarou o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Segundo ele, esse interesse "é evidenciado pelo registro da ocorrência na delegacia de polícia e a realização de exame de lesão corporal".
Acesse a notícia na íntegra: Lei Maria da Penha não depende de queixa formal, diz STJ (Portal Terra - 14/10/2010)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Juizes optam por aborto diante de gravidez indesejada, aponta estudo






De 207 entrevistados que tiveram parceiras que engravidaram "sem
querer", 79,2% abortaram

Pesquisa da Unicamp junto com a AMB é a primeira a retratar a opinião
pessoal dos que operam a lei brasileira

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Ao se confrontar com uma gravidez indesejada, a maioria dos juízes
opta pelo aborto, revela uma pesquisa da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas) em parceria com a AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros).
As informações constam de um levantamento maior, que investigou o que
pensam os magistrados e promotores sobre a legislação brasileira e as
circunstâncias em que o aborto provocado deveria ser permitido no
país.
Entre os 1.148 juízes que responderam a questionários enviados pelos
Correios, 207 (19,8%) relataram que já tiveram parceiras que
engravidaram "sem querer". Nessa situação, 79,2% abortaram.
Das 345 juízas que participaram do estudo, 15% disseram que já tiveram
gravidezes indesejadas. Dessas, 74% optaram pelo aborto.
Apesar de não representar a opinião da maioria dos magistrados (só 14%
deles participaram da pesquisa), o trabalho é o primeiro a retratar a
opinião pessoal daqueles que operam as leis sobre o aborto, tema que
ganhou força no debate eleitoral.
Os números refletem o que outras pesquisas populacionais já
constataram: diante de uma experiência pessoal com a gravidez
indesejada, grande parte das pessoas, mesmo as que seguem alguma
religião, entende que a situação justifica o aborto.

MORAL
Na avaliação da antropóloga Debora Diniz, professora da Universidade
de Brasília, o dado revela uma questão básica sobre temas moralmente
sensíveis: uma coisa é como as pessoas agem e conduzem suas vidas, a
outra é o que elas consideram moralmente correto responder sobre o
tema.
"Aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez aborto no Brasil. Se
perguntássemos a essas mesmas mulheres se elas são favoráveis ao
aborto, a resposta seria incrivelmente diferente e contrária ao
aborto", afirma Diniz, também pesquisadora da Anis (Instituto de
Bioética Direitos Humanos e Gênero).
Incoerência? Para a antropóloga, não. Ela explica que temas com forte
regulação moral, em particular pelas religiões, geram uma expectativa
nas pessoas de haver respostas "corretas", que indicariam que elas são
"pessoas boas".
"Cria-se uma falsa expectativa de julgamento moral do indivíduo. Por
isso, um plebiscito sobre aborto é algo desastroso. As mulheres
abortam, seus companheiros as ajudam e as apoiam, mas ambos serão
contrários à legalização do aborto."
Hipocrisia? Na opinião do juiz João Ricardo dos Santos Costa,
vice-presidente de direitos humanos da AMB, sim. "A sociedade é
hipócrita e individualista. Não conseguimos nos colocar na condição do
outro."
Ele provoca. "Até padres quando se veem em uma situação em que suas
parceiras engravidam optam pelo aborto para manter a sua integridade
religiosa [permanecer na igreja]. Os juízes são como todas as pessoas.
Têm suas vivências e cargas de preconceitos", diz ele.
A pesquisa com os magistrados e promotores, publicada na "Revista de
Saúde Pública", se baseou em questionários enviados a 11.286 juízes e
13.592 promotores, por meio das associações que representam as
categorias. A taxa de resposta entre os juízes foi de 14%, e entre os
promotores, de 20%.

MÉDICOS
Seis anos atrás, o médico Anibal Faúndes, professor aposentado da
Unicamp e coordenador do estudo com os magistrados e promotores,
coordenou uma outra pesquisa com seus colegas de profissão, os
ginecologistas e obstetras. Um total de 4.261 profissionais
responderam a questionários enviados pela federação que representa a
categoria (Febrasgo).
Um quarto das médicas e um terço dos médicos relataram já ter
enfrentado uma gravidez indesejada.
A maioria (80%) optou pelo aborto. Mesmo entre os profissionais para
os quais a religião era muito importante, 70% escolheram interromper a
gravidez.
Quando a questão era a gestação indesejada de uma paciente, 40% dos
médicos disseram já terem ajudado a mulher (indicando profissionais
que faziam o aborto). A taxa subiu para 48% quando se tratava de um
familiar e de quase 80% quando se tratava da sua parceira.
"As mais profundas convicções se rendem frente a circunstâncias
absolutamente excepcionais. Todos somos contra o aborto, mas há
situações em que ele é um mal menor", diz Faúndes.

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artigo de Débora Diniz - A questão do aborto influenciará o seu voto?






PERIGOS DA SIMPLIFICAÇÃO

O ESTADO DE S. PAULO, 1O DE OUTUBRO DE 2010

O tema que move os novos acordos políticos para o segundo turno à Presidência da República é o aborto. As principais avaliações políticas atribuem a queda de votos da candidata Dilma Rousseff ao seu programa de governo, que considera o aborto uma questão de saúde pública. Já Marina Silva teria crescido na reta final por sua proposta de um plebiscito para o aborto, e o candidato José Serra, por sustentar que a legalização do aborto iniciaria uma "carnificina no país". O único candidato a discutir abertamente o aborto, Plínio Sampaio, foi massacrado nas urnas. Com tantas questões cruciais à democracia e aos direitos fundamentais, como a educação, a segurança pública ou a previdência social, é curioso que se aposte que o novo presidente do Brasil seja decidido por sua posição sobre o aborto.

O aborto é um tema perigoso para a reta final das eleições. Na verdade, foi uma questão tratada com melindre pelos principais candidatos à Presidência nos debates públicos. Optou-se por um silêncio tenso, ocasionalmente desafiado pelos candidatos a deputados e senadores, para quem as questões relacionadas à família, à sexualidade e à reprodução compuseram a agenda prioritária de campanha. Teria a surpresa do segundo turno para presidente da República feito romper esse silêncio, sendo as eleições agora decididas pela posição dos candidatos sobre o aborto? Essa hipótese deve ser considerada aviltante para qualquer pessoa que acredita na democracia e na importância de campanhas políticas sérias. Sem riscos de exagero, essa guinada moral do debate deve ser comparada a práticas já repudiadas pela política, como a compra de votos ou o nepotismo.

A legalização do aborto não é uma moeda de troca política. É uma questão que diz respeito aos direitos fundamentais das mulheres. Por razões variadas e íntimas, as mulheres se veem diante de uma gravidez não planejada. Mulheres que jamais cometeriam um crime são forçadas a procurar auxílio em clínicas ilegais, em medicamentos adulterados ou em métodos ainda mais arriscados para realizar o aborto. Uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já abortou ilegalmente, em um misto de medo, solidão e risco. A história dessas mulheres não pode ser ignorada pela busca desenfreada por votos de comunidades religiosas que consideram o aborto um crime abominável. Não é demais lembrar que descriminalizar o aborto não significa nenhuma imposição do Estado às decisões reprodutivas das mulheres. Apenas será reconhecido o direito de escolha. Um direito íntimo e fundamental de escolher em que momento uma mulher deseja exercer a maternidade.

É perverso, senão injusto, reduzir a política brasileira ao aborto. O absurdo dessa constatação não está na moralidade do aborto, mas no que posições públicas sobre ele representarão de apoio ou não das comunidades religiosas. O que o tema do aborto nos mostra é o quanto a democracia brasileira ainda depende das religiões. Apelar para a tese de que o Estado é laico e que há separação formal entre as decisões políticas e as orientações das igrejas parece ser um discurso vazio neste momento. Sem qualquer acanhamento, os candidatos à Presidência saem à procura de como garantir o apoio das comunidades evangélicas e católicas, principais eleitores para quem a questão do aborto é considerada central.

Aos dois candidatos à Presidência da República, um lembrete. Não há saída. Ou se enfrenta seriamente o aborto como uma questão de saúde pública, seu impacto nos serviços de saúde, os danos à saúde das mulheres pela prática ilegal e a restrição de direitos que a criminalização impõe, ou teremos um retrocesso democrático semelhante ao enfrentado pelo governo Bush nos Estados Unidos, em que a saúde das mulheres foi subordinada à moral religiosa. Se não se sabe como enfrentar o tema do aborto nesses termos e ainda assim ganhar a eleição, um retorno ao silêncio tenso que marcou a campanha para o primeiro turno é a melhor estratégia política. É pelo menos honesto e não reduz a democracia brasileira ao útero das mulheres.

 

 

1Debora Diniz é Professora da Universidade de Brasília.

 

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