quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Diferentes matizes da visibilidade lésbica

 No Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, 29 de agosto, ativistas da LBL em São Paulo, organizaram, uma roda de conversa mediada por Verônica Silveira, que debateu a construção da subjetividade e as discriminações, a bissexualidade, a transexualidade lésbica e os feminismos. O aprofundamento de tantas questões revelou como a hipocrisia perpassa a historia humana, nossas relações, preconceitos e proibições sociais; como cada pessoa é única, não importando se mais masculina ou mais feminina, e só ela pode conquistar sua felicidade afetiva e sexual.
Como a subjetividade vai sendo construída neste mundo cujo modelo cultural dominante é branco, masculino e heterossexual, falou Lucinha Silva, do Instituto Amma Psique e Negritude. Psicóloga, lésbica, com militância na discriminação racial, Lucinha mostrou como “historicamente somos postas em lugares que nos aprisionam”, e como nos construímos “nas relações sociais mediadas pelas ideologias”. Segundo a psicóloga e psicanalista, somos sujeitas com amplas possibilidades de mudança a cada dia, mas carregamos marcas do nosso processo – que começa antes mesmo de nascermos – e de nossas próprias escolhas. “Às vezes crescemos com informações que contradizem nosso ser, nossos desejos”, como a maioria das lésbicas. Por isso, a ativista acha que o “sair do armário” não deve ser exigido pelo movimento, pois é muito difícil para muitas mulheres. “Nascemos numa condição de bissexualidade”, acredita Lucinha, “as ideologias é que trazem as dificuldades”.
Bissexual assumida e militante, Marcela Mattos, dos Coletivos Família Clandestina e Mulheres da Baixada Santista, expôs sua vivência amando pessoas de ambos os sexos, e a dificuldade de colocar a questão nos movimentos, inclusive entre o segmento LGBTT. Para ela, que desenvolve ações culturais, “que também passam pela sexualidade”, precisamos superar essa questão de homem e mulher. Citando o “queer”, movimento internacional de caráter “pós tudo”, ligado a questões do rompimento com a sexualidade heteronormativa, e que se manifesta em diversas linguagens artísticas, Marcela questiona “por que temos que pensar tanto no que é ser homem ou ser mulher?”. Apresentando dados de pesquisas que revelam a falta de consciência existente fora da cena feminista ou punk, onde convive, Marcela mostra preocupação com a força como as questões de gênero vão sendo impingidas nas pessoas, sem que elas tenham noção da heteronormatividade dominante e com uma total inconsciência em relação ao patriarcado. “A bissexualidade talvez seja até mais difícil de discutir na família, por exemplo”.

A militância de existir

Se a bissexualidade é incompreensível para a maioria das pessoas, o que dizer da transexualidade lésbica? Agnes Prado estava lá presente, “para dizer que existo, que é normal”, e para nos contar como é isso. “Nasci homem e me descobri mulher”, explica, “e depois descobri o desejo por mulher”. Defendendo que o preconceito é com as pessoas diferentes, Agnes diz que a sociedade pensa que o gay é um homem que quer ser mulher e a lésbica, uma mulher que quer ser homem, “e sabemos que não é assim que funciona”. Reconhecendo sua identidade apenas aos 23 anos, ela trabalha no Hospital das Clínicas, onde acaba de conquistar o direito a utilizar o nome social no crachá, o que agora lhe garante algum respeito. Agnes só conheceu histórias com as quais se identificou depois de aparecer recentemente em uma reportagem. “Minha militância é existir, todos os dias, fazer o que todo mundo faz”.
Camila Furchi, da Marcha Mundial de Mulheres, falou sobre as relações dos feminismos com a lesbianidade, questionando inclusive se haveria também nos movimentos uma hierarquização entre heteros e homossexuais. Ela contou a experiência com o tema vivida na marcha, parte da Ação 2010 em março, onde foi percebida alguma lesbofobia vinda de mulheres, e colocou na roda polêmicas vividas nas relações entre as feministas e também com os demais movimentos sociais, parceiros em lutas fundamentais. Considerando a atitude das mulheres que amam mulheres “alguma coisa bastante desafiadora do sistema”, e por isso rechaçada, Camila questionou o modelo dual “puta x santa” imposto, que “muitas vezes impede as mulheres de desfrutarem uma boa vida sexual”.
A jovem ativista diz que hoje muitos grupos questionam profundamente o padrão de relacionamento homem/mulher como modelo, ao mesmo tempo que em alguns países onde está organizada a Marcha, a discussão gay/lésbica não existe. “Precisamos também construir movimentos que dialoguem mais com as lésbicas da periferia”, lembrou ainda Camila, avaliando que muitas vezes nossos discursos e projetos de superação não as atingem. O capitalismo patriarcal é um “sistema controlador do nosso corpo”, conclui Camila, “ele reelabora nossas ações iniciais, contestadoras, para reforçar o próprio sistema. Precisamos romper suas armadilhas.
http://www.ciranda.net/brasil/article/diferentes-matizes-da-visibilidade

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