Como a subjetividade vai sendo construída neste mundo cujo modelo cultural dominante é branco, masculino e heterossexual, falou Lucinha Silva, do Instituto Amma Psique e Negritude. Psicóloga, lésbica, com militância na discriminação racial, Lucinha mostrou como “historicamente somos postas em lugares que nos aprisionam”, e como nos construímos “nas relações sociais mediadas pelas ideologias”. Segundo a psicóloga e psicanalista, somos sujeitas com amplas possibilidades de mudança a cada dia, mas carregamos marcas do nosso processo – que começa antes mesmo de nascermos – e de nossas próprias escolhas. “Às vezes crescemos com informações que contradizem nosso ser, nossos desejos”, como a maioria das lésbicas. Por isso, a ativista acha que o “sair do armário” não deve ser exigido pelo movimento, pois é muito difícil para muitas mulheres. “Nascemos numa condição de bissexualidade”, acredita Lucinha, “as ideologias é que trazem as dificuldades”.
Bissexual assumida e militante, Marcela Mattos, dos Coletivos Família Clandestina e Mulheres da Baixada Santista, expôs sua vivência amando pessoas de ambos os sexos, e a dificuldade de colocar a questão nos movimentos, inclusive entre o segmento LGBTT. Para ela, que desenvolve ações culturais, “que também passam pela sexualidade”, precisamos superar essa questão de homem e mulher. Citando o “queer”, movimento internacional de caráter “pós tudo”, ligado a questões do rompimento com a sexualidade heteronormativa, e que se manifesta em diversas linguagens artísticas, Marcela questiona “por que temos que pensar tanto no que é ser homem ou ser mulher?”. Apresentando dados de pesquisas que revelam a falta de consciência existente fora da cena feminista ou punk, onde convive, Marcela mostra preocupação com a força como as questões de gênero vão sendo impingidas nas pessoas, sem que elas tenham noção da heteronormatividade dominante e com uma total inconsciência em relação ao patriarcado. “A bissexualidade talvez seja até mais difícil de discutir na família, por exemplo”.
A militância de existir
Se a bissexualidade é incompreensível para a maioria das pessoas, o que dizer da transexualidade lésbica? Agnes Prado estava lá presente, “para dizer que existo, que é normal”, e para nos contar como é isso. “Nasci homem e me descobri mulher”, explica, “e depois descobri o desejo por mulher”. Defendendo que o preconceito é com as pessoas diferentes, Agnes diz que a sociedade pensa que o gay é um homem que quer ser mulher e a lésbica, uma mulher que quer ser homem, “e sabemos que não é assim que funciona”. Reconhecendo sua identidade apenas aos 23 anos, ela trabalha no Hospital das Clínicas, onde acaba de conquistar o direito a utilizar o nome social no crachá, o que agora lhe garante algum respeito. Agnes só conheceu histórias com as quais se identificou depois de aparecer recentemente em uma reportagem. “Minha militância é existir, todos os dias, fazer o que todo mundo faz”.Camila Furchi, da Marcha Mundial de Mulheres, falou sobre as relações dos feminismos com a lesbianidade, questionando inclusive se haveria também nos movimentos uma hierarquização entre heteros e homossexuais. Ela contou a experiência com o tema vivida na marcha, parte da Ação 2010 em março, onde foi percebida alguma lesbofobia vinda de mulheres, e colocou na roda polêmicas vividas nas relações entre as feministas e também com os demais movimentos sociais, parceiros em lutas fundamentais. Considerando a atitude das mulheres que amam mulheres “alguma coisa bastante desafiadora do sistema”, e por isso rechaçada, Camila questionou o modelo dual “puta x santa” imposto, que “muitas vezes impede as mulheres de desfrutarem uma boa vida sexual”.
A jovem ativista diz que hoje muitos grupos questionam profundamente o padrão de relacionamento homem/mulher como modelo, ao mesmo tempo que em alguns países onde está organizada a Marcha, a discussão gay/lésbica não existe. “Precisamos também construir movimentos que dialoguem mais com as lésbicas da periferia”, lembrou ainda Camila, avaliando que muitas vezes nossos discursos e projetos de superação não as atingem. O capitalismo patriarcal é um “sistema controlador do nosso corpo”, conclui Camila, “ele reelabora nossas ações iniciais, contestadoras, para reforçar o próprio sistema. Precisamos romper suas armadilhas.
http://www.ciranda.net/brasil/article/diferentes-matizes-da-visibilidade
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