A LÂMPADA, O DEPUTADO E O KIT
Desde a constituição dos movimentos sociais que começam a eclodir no Brasil na década de 60 do último século, passando pelo movimento feminista de segunda onda (com suas teorizações em torno do conceito de gênero) e pelo movimento homossexual nos anos 80 e 90, até desembocar no que hoje conhecemos por movimento LGBT, temos presenciado, no Brasil, uma luta política e teórica pela consolidação de direitos civis, jurídicos e educacionais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Essa luta, que num primeiro momento precisou mostrar que as mulheres não estavam condenadas ao cárcere-lar e à maternidade compulsória; que, em outro, precisou escancarar e destronar os equívocos jurídico-científicos que impunham à homossexualidade a condição de crime e doença; que, em outro, precisou provar que a AIDS não era a "peste gay" como afirmava a razão médica, depara-se, nesses nossos dias, com a tarefa de fazer frente a interesses doutrinários e preconceituosos para garantir o combate à violência de gênero e à homofobia, promovidas por propagadores do ódio de toda sorte.
Por isso, numa época em que grupos ultraconservadores saem pelas ruas promovendo o terror à diferença sexual, quebrando lâmpada na cara de rapazes gays e assassinando travestis pelos becos da cidade, em que pastores e padres disparam ataques condenando mulheres e homens homossexuais a novas formas de exorcismo, em que figuras públicas, como deputados e outros tantos, sem pudor e, principalmente, sem conhecimento algum do assunto, publicizam em rede nacional o racismo e a homofobia que lhes vazam pelos poros é que a medida implementada pelo MEC, de distribuir um kit anti-homofobia em escolas brasileiras, faz-se necessária. Mais que necessária, é uma obrigação do poder público em resposta a essas investidas terroristas que insistem em promover o horror e a violência de gênero e sexuais em nosso país.
Pensar na distribuição de um kit anti-homofobia significa uma possibilidade histórica de construir no âmbito das escolas brasileiras, entre alunas/os e professoras/es, entre funcionárias/os e comunidade, um debate sério em torno das homossexualidades e, a partir disso, assegurar direitos historicamente negados às/aos homossexuais. Inclusive, o direito a uma escola que promova o diálogo e a liberdade. Significa um caminho para deslocar os insuspeitos e preconceituosos olhares que enxergam o público LGBT como arremedo do humano, bem como promover abertamente o enfrentamento contra o sexismo, o machismo, a homofobia, a lesbofobia e a transfobia entre nossos jovens.
Acreditar nos deslocamentos que uma medida como essa pode provocar talvez nos force a não mais fingir que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais não existem e que, portanto, não são problema nosso. Nos forçará a entender que o "filho gayzinho", como disse o tal deputado homofóbico, pode sim morar sob o mesmo teto nosso. Forçará, no mínimo, que comecemos a questionar a insuspeitabilidade da heteronormatividade como padrão de normalidade de gênero e sexual, em busca da construção de uma juventude que, no futuro, possa se orgulhar de ter filhas e filhos homossexuais sem que isso se torne uma ameaça a suas vidas. O kit anti-homofobia pode ser uma chance de, no interior de nossas escolas, propor novas formas de pensar e de agir, novas possibilidades de combate à opressora norma heterossexual, uma chance de nossas alunas e alunos se pensarem de outro modo diante das diferenças imanentes à vida.
A lâmpada na Av. Paulista, o deputado homofóbico e os contrários ao kit anti-homofobia nos deixam, no mínimo, dois grandes alertas: o de que a homofobia no Brasil lateja e o de como o fanatismo religioso e os fundamentalismos morais são capazes de promover o ódio e a agressão ao outro. Tudo em nome de Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário